Pontes e espargatas (II)
Há compromissos difíceis entre o que deveria ser e o que tem que ser. Apesar do seu carácter inovador enquanto proposta, o PORI tem sido um verdadeiro percurso de contradições enquanto processo de operacionalização. Enquanto proposta, surge com razoável consistência teórica e, para quem se situa nas lógicas da intervenção comunitária, deixa adivinhar mais do que realmente explicita. Contudo foi bastante entusiasmante e permitiu-me enquadrar alguma utopia da que habita aquela espécie de estado nascente que nos faz acreditar que a mudança é possível, que podemos pensar num outro paradigma, que as práticas, enfim, podem mudar.
A meio de um percurso muito feito às cegas porque ninguém sabia realmente quais eram as regras, começamos a ser picados pela mosca do cepticismo. Tentamos sacudi-la, ignorar as picadas, mas às tantas a comichão é tanta que temos que coçar. À medida que as regras se vão definindo, e estas vêm sempre em prestações suaves, começamos a perceber que estamos num carreiro muito estreito e que ainda por cima vai dar ao mesmo sítio. E pior do que isso é não se perceber como nascem essas orientações.
Os diagnósticos dos territórios prioritários, traduzem uma perspectiva da realidade e apenas isso. Mas tenho a percepção que essa tradução se consubstancia numa espécie de dialecto privado, numa lógica interna aos que produzem esse discurso e dirá muito pouco externamente. E esse é o problema: chegou o momento de falar claro para que todos entendam.
A produção de discursos fechados é muito comum. Apesar das barreiras disciplinares se virem a esbater com o tempo, ainda persistem alguns hermetismos que parecem relevar de alguma arrogância, por um lado, e de um sistema protector das práticas, por outro. Tradicionalmente encontramos muito esta situação ligada aos saberes (poderes) médicos e jurídicos, mas alguns técnicos de informática ou mecânicos de automóveis também podem ser bons exemplos.
Ora, parece-me ser exactamente este o primeiro obstáculo a vencer se queremos promover um trabalho centrado no cidadão, em parceria com outras entidades, com a comunidade.
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um excelente post...um olhar bastante lúcido