o terceiro incluído

2024-12-06

Nova era

 Talvez seja tempo de voltar à blogosfera. A ideia inicial de espelhar aqui o que chamava de "construções transdisciplinares" não me abandona, no entanto, a minha consciência está hoje mais disposta a admitir a inclusão de inúmeras perpectivas. Continuamos no Terceiro incluído.

Há cerca de duas semanas, um amigo enviou-me o draft de um livro que vai publicar com pequenos contos sobre o tema da morte num estilo que eu situaria entre Kafka e alguns dos nossos surrealistas. Diverti-me bastante com a leitura e acho o conjunto dos contos bastante interessante. Mas não é para fazer uma recensão crítica que abro este assunto. É sobre o Borges. Jorge Luís Borges (Buenos Aires, 24.08.1899 - Genebra, 14.06.1986). Um personagem da escrita que conheço bastante menos do que gostaria, mas cujo universo me fascina de uma forma arrebatadora. E o Borges porquê? É que o livro abre com uma citação em epígrafe que é do Borges. O mote vem todo a propósito e não teria feito qualquer reparo, não fora uma grosseira incorrecção verbal: "aceitarei-a" (sic) em vez de aceitá-la-ei.  

“Eu não temo a morte. Ela não me causa medo nem tristeza. Quando me sinto abatido penso: como posso estar triste se essa grande aventura que é a morte me aguarda? Se eu tiver sorte, serei aniquilado, apagado completamente, se não for, se houver outra vida, aceitarei-a como aceitei esta; talvez seja melhor. Não sabemos nada, mas podemos imaginar que há uma aventura além da morte.”  Jorge Luis Borges.

Tentei verificar, atribuindo o erro a alguma tradução menos idónea. Encontrei várias vezes a mesma forma em citações de origem brasileira (com a variante "aceitarei" que não sendo a ideal, é... aceitável) e em nenhuma se referia a fonte. Procurei vários textos em Borges que fala da morte, sem resultado. Quase me convenci que poderia estar num dos capítulos do Aleph que esquadrinhei de ponta a ponta (de Aleph a Tav, só para ilustrar que também fui ver o significado de Aleph e o alfabeto hebraico) e nada encontrei.
Lembrei-me então de colocar no google o que eu imaginava ser o texto na língua castelhana (isto traz também outras história porque o Borges escrevia muita coisa, primeiro em inglês, e, também porque a língua inglesa também vem associada à citação) e logo me apareceu a citação e o seu contexto.

Yo no temo a la muerte. No le temo ni me entristece. Cuando estoy triste pienso: cómo puedo estar triste si me espera esa gran aventura que es la muerte. Si tengo suerte, seré aniquilado, borrado totalmente, y si no, si hay otra vida, la aceptaré como he aceptado ésta. Peor que ésta no será. Hasta puede ser mejor. No sabemos nada, pero podemos pensar que hay una aventura más allá de la muerte.

Trata-se de algo proferido na última conferência de JLB, em 5 de Setembro de 1985, no Colegio Ward, numa cidade chamada Ramos Mejía, a cerca de dez quilómetros de Buenos Aires. Nem sequer aparece como fazendo parte do texto da conferência, mas das respostas a perguntas da assistência sobre vários temas que Juan Carlos Dido transcreveu, muitos anos depois.

A outra história ligada à língua inglesa é que JLB teria sido convidado para fazer a conferência em inglês para os alunos mais avançados e acabou a fazê-la em castelhano para todos, porque houve um protesto na escola no sentido de se democratizar a conferência.


E a que propósito vem tudo isto? Provavelmente, a propósito de algo tão aleatório que é mais fácil responder que é a propósito de coisa nenhuma ou, a minha resposta mais convincente, porque sim.

É que a morte é um tema tão complexo e tão capaz de nos convocar para a discussão que poderá ser o assunto mais vivo de qualquer simpósio, desde o jantar familiar de natal ao plenário parlamentar.
Hei-de voltar a este tópico. Se não morrer entretanto. Mesmo assim, há quem acredite que um bom escritor só consegue viver da escrita depois de morto.

   

2014-10-02

Profecias que se autocumprem


O mundo está cheio de profetas. Há é uns que podem mais do que outros.
Enquanto uns são capazes de realizar as suas profecias e afectar a sua vida e, quando muito a dos que os rodeiam, outros podem afectar uma boa parte da humanidade.
É tudo uma questão de escala e de nível de realidade.

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2012-01-10

Ciência e poesia às vezes dormem juntas




Fui inesperadamente guiado para aqui, por via da minha amiga Mila.
Rómulo de Carvalho e António Gedeão concretizam este dois em um e isso sabe-se por esse mundo fora.
O que a autora não diz é que o António Gedeão andou a dormir com a mulher do Rómulo de Carvalho e que durante muito tempo ela nem se apercebeu.


Colloidal suspension
I think about being a poet and being dispersed
through the voice of the voiceless.
I think about how little of me is in each verse,
how much of everything and of no one.

A blind man is playing La Violetera,
and seeing him I too go blind.
A wretched woman scrubs and waxes,
and seeing her, I too am a wretched scrubber.

What distant affliction and near joy,
what minimal, fragile, ephemeral nothingness,
does this combusting dredger hoist up from below,
ripping, digging and paving this subterranean street?

Postulates and laws, lemmata and theorems,
all that affirms, announces and admits,
theories, doctrines and systems,
all this eludes the author of these lines.
Both him and me.

trans. by C. Auretta


Suspensão Coloidal
Penso no ser poeta, e andar disperso
na voz de quem a não tem;
no pouco que há de mim em cada verso,
no muito que há de tudo e de ninguém.

Anda o cego a tocar La Violotera,
e eu a vê-lo e a cegar;
e a pobre da mulher esfregando e pondo a cera,
e eu a vê-la, e a esfregar

Que riso perto, que aflição distante,
que ínfima débil, breve coisa nada,
iça, ao fundo, esta draga carburante,
rasga, revolve e asfalta a subterrânea estrada?

Postulados e leis e lemas e teoremas,
tudo o que afirma e fura e diz sim,
teorias, doutrinas e sistemas,
tudo se escapa ao autor dos meus poemas.
A ele, e a mim.

2011-02-07

O mundo em que vivemos



Vemos que em 200 anos o mundo melhorou bastante em inúmeros aspectos.
Em justiça piorou. Apesar de estarmos todos melhor, a desigualdade aumentou.

A apresentação é impressionante.

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2010-09-28

Desinstitucionalizar é preciso...

Seminário Internacional
A desinstitucionalização da doença mental e os cuidados na comunidade: famílias, redes sociais e serviços

26 de Outubro de 2010, 10:00, Auditório CIUL, CES-Lisboa


> Inscrição gratuita online (temporariamente encerrada. Reabertura a 04/10/2010)

Vai realizar-se em Lisboa, no dia 26 de Outubro, o Seminário Internacional “A desinstitucionalização da doença mental e os cuidados na comunidade: famílias, redes sociais e serviços” destinado a apresentar e debater os resultados de um estudo, realizado no Centro de Estudos Sociais de Coimbra com o apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, sobre o mesmo tema.

O estudo, realizado por uma equipa de investigadores/as coordenada pelo sociólogo Pedro Hespanha, analisa o impacto da desinstitucionalização nos cuidados de saúde mental e avalia a capacidade de resposta das famílias, das redes sociais, das organizações locais e dos serviços, num período em que está em curso um plano nacional de saúde mental que visa precisamente promover a descentralização dos serviços e diminuir a institucionalização. Para comentar os resultados convidaram-se especialistas nacionais e internacionais com experiências diversas sobre a matéria.

O Seminário terá lugar no CES-Lisboa e o acesso é livre, embora se recomende a inscrição prévia online devido ao número limitado de lugares disponíveis (88).

O CES-Lisboa localiza-se no Picoas Plaza, no primeiro andar, podendo o acesso ser feito pela Rua do Viriato ou pela Rua Tomás Ribeiro(metro Picoas). Os trabalhos decorrerão no Auditório CIUL.

PROGRAMA
10 h – Sessão inaugural e Conferência de Abertura

Conferencista: Juan Jose Martinez Jambrina (Coordenador da Área de Saúde Mental de Avilés, Asturias)

11h – Intervalo

11h15m – Sessão I, A Desinstitucionalização: um olhar a partir do hospital psiquiátrico

Comentadores: Álvaro de Carvalho (ARSLVT) e Teresa Alves (Hospital Magalhães Lemos)

13h – Almoço

14h30m – Sessão II, Famílias, Redes Sociais e Serviços: o papel nos cuidados

Comentadores: Breno Fontes (Univ. Fed. de Pernambuco, Brasil) e Fátima Alves (Univ. Aberta, Porto)

16 h – Intervalo

16h15m – Painel, Desafios para a Desinstitucionalização

Convidados: Fernando Almeida (Pres. Cons. Adm. do CHPC - Sobral Cid)

Delfim Oliveira (Presidente da ADEB)

Pedro Afonso (Psiquiatra do CHPL – Júlio de Matos)

Ana Lisa Vicente (Psicóloga, ARIA)

Fernando Gomes (Enfermeiro, CHPC - Sobral Cid)

17h15m – Debate

18h – Encerramento

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2010-09-02

Saud'Arte


Ainda que o título me pareça um pouco redutor e contrário à perspectiva que transparece do programa, este será sem dúvida um acontecimento a não perder.
International Conference Narrative and Medicine: Illness and Dialogue
Ver mais aqui e aqui

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2010-08-22

Clara evidência

cada vez mais
tenho a sensação
de saber
cada vez menos
de cada vez mais coisas

Isto não tem nada a ver com a humildade socrática - só sei que nada sei - que revelava uma imensa sabedoria sobre si próprio e o mundo.
Eu, imodestamente, sei muita coisa. Mas cada vez me serve para menos.
Que fazer (, Vladimir)?
Uma revoluçãozita até dava jeito...

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2010-05-26

Um mais um, afinal quantos são?




O meu interesse um pouco desordenado pelas visões transdiscilinares leva-me por vezes a sítios onde estas questões borbulham e se multiplicam. Foi assim que cheguei ao ninho do pensamento complexo e há cerca de três anos recebo a newsletter Interlettre Chemin Faisant, habitualmente repleta de pensamentos interessantes sobre a nossa maneira de nos relacionarmos com aquilo a que chamamos realidade. O nº 51, acabado de receber, traz um editorial escrito por J.L Le Moigne com o título De la légitimation des savoirs à l´exercice des pouvoirs de cuja leitura parti para uma teia de reflexões em que se cruzam insistentemente múltiplas áreas com as quais, também eu insistentemente me cruzo. Pensar sobre ciência e cidadania faz-nos deslizar num campo onde tudo se pode plantar, onde tudo pode germinar incluindo erva daninha. É inevitável a introdução da metáfora quase como discurso oficial, mesmo sabendo que a sua introdução dá origem a irrecusáveis provocações e pontos de partida para novos caminhos de descoberta.

Os críticos da persperpectiva complexa dizem muitas vezes que estes caminhos não levam a lado nenhum e que não passa de uma via de diletantismo nas margens da ciência e da filosofia.

O que se passa é que há pensadores para quem as formas de investigação e de representação do mundo da vida e da actividade humana se tornaram banais e redutoras, escravas de uma lógica cartesiana e do axioma aristotélico do 'terceiro excluído'.

Pelo que me tem sido dado a observar, uma boa parte dos trabalhos reconhecidos pelas academias defendem esta lógica em nome do 'rigor científico e metodológico' cuja essência se constitui como um conjunto de fórmulas que se repetem obstinadamente e que, curiosamente, alguns designam por 'cânone académico'. Talves seja por isso, além da preguiça, claro, que me tenho mantido por fora, mas isso agora não vem ao caso.

Le Moigne cita a partir do Manifesto do CNRS (Centre Natinal de la Recherce Scientifique): Il faut développer de nouveaux instruments de pensée, permettant de saisir des phénomènes de rétroaction, des logiques récursives, des situations d'autonomie relative. Il s’agit là d’un véritable défi pour la connaissance, aussi bien sur le plan empirique que sur le plan théorique.
E interroga-se(nos): somos ou não capazes de desenvolver novos instrumentos de pensamento?
Num apelo ao que chama de desbanalização (détrivialization) da acção humana deixa-nos três aspectos em que devíamos pensar, entre muitos outros:
- O primado da solidariedade entre todos os fenómenos
- A preversidade das habituais interpretações do axioma do 'terceiro excluído'
- A restauração da 'deliberação' nas nossas práticas
(fica aqui para me lembrar de desenvolver isto mais tarde)
Deixa-nos ainda uma ideia mobilizadora de J. Wrensinski :
"Trabalhar para pensar bem com o outro, em reciprocidade" [Travailler à bien penser avec l'autre, en reciprocité]

O título do post é inspirado no título de um livro de P. Caillé, Un et un font trois. Le couple révélé à lui-même, citado por Le Moigne neste artigo.

2010-03-24

Saúde mental em notícias

A saúde dos portugueses melhorou em tudo menos na saúde mental - RTP Noticias, Áudio
A saúde em Portugal melhorou no geral, à excepção da saúde mental. A Alta Comissária da Saúde, Maria do Céu Machado adiantou à Antena 1 algumas das conclusões do balanço feito aos 5 anos do programa de saúde mental. Em 5 anos todos os indicadores de mortalidade baixaram, mas no que toca à saúde mental há mais suicídios e maior consumo de antidepressivos, explica o jornalista Jorge Correia.
2010-03-09 08:07:47

Professor Caldas de Almeida preocupado com "prevalência" de doenças mentais - RTP Notícias, Áudio
O Estudo Nacional de Saúde Mental é apresentado hoje e esteve a cargo de Caldas de Almeida. Em entrevista esta manhã na Antena 1, o psiquiatra afirma que o estudo confirma o impacto negativo que as doenças do foro mental ainda têm na população. O professor sublinhou que os dados revelam que há muitas pessoas «em situações graves que continuam a não ter cuidados».
2010-03-23 09:27:40

Estas duas notícias à distância de quinze dias uma da outra apanham-me numa altura em que precisamente estou a trabalhar e a pensar (penso mais do que trabalho, realmente) nestas questões da saúde mental no contexto da formação de profissionais de saúde, nomeadamente enfermeiros.
As interrogações que me têm surgido, enquanto ando para trás e para a frente na leitura de documentos que vão da antiga Lei de saúde mental de 1963 ao actual Plano nacional de saúde mental (2007-2016), situam-se em torno de uma questão principal: o que é que devem saber técnicos de saúde não especializados em saúde mental, como o são os efermeiros saídos do curso de licenciatura, sobre esta área para, nas suas intervenções generalistas contribuirem para uma melhoria da saúde mental dos portugueses?

A resposta que me apetece dar é: tudo! A saúde mental tem a ver com tudo na vida e nada a ver com essa divisão positivista implícita de que há uma saúde mental e uma saúde física consubstanciada na dicotomia mens - corpore. Mas, saber tudo não é objectivo que se formule por ter tanto de abstracção como de impossibilidade. Por isso, resta-nos escolher um caminho necessariamente largo e cheio de cruzamentos, sabendo que nesse caminho seguem sempre duas guias primordiais e paralelas: Uma, a protecção dos direitos humanos; a outra, o primado da promoção da saúde e prevenção da doença (conceitos tão abstractos afinal como o tudo que me apetecia responder e que analisarei mais tarde).

Assim, numa espécie de declaração de interesse, devo explicitar que apesar de ter aprofundado saberes na área da saúde mental e psiquiátrica e também nas ciências da educação, considero-me basicamente da saúde enquanto área de saberes múltiplos. Com esta perspectiva, corro o risco de não passar da superficialidade dos fenómenos, mas por outro lado, também me parece que muitas vezes a hiperespecialização perde de vista o que nada à superfície e isso é muita coisa e é o que diz respeito a um maior número de pessoas.

A maior parte dos problemas que afectam as pessoas andará talvez, por um lado em torno das questões de apreensão do mundo e a sua representação e, por outro, na relação consigo próprio e com o que o rodeia. Ora, o que cabe aqui, se não é tudo, é quase.

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2010-03-09

Plano Nacional de Saúde Mental (2007-2016) - I -

Começo hoje a analisar alguns documentos (e eventualmente outros contributos como relatos de experiências, testemunhos pessoais, ...) que ajudem a compreender como se estruturar a política pública de Saúde Mental em Portugal, com o objectivo de ir constituindo sínteses de conteúdos a leccionar na UC de Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica.
O primeiro documento em que pego é o Plano Nacional de Saúde Mental (2007-2016) que por ter um horizonte temporal e ser mais dirigido ao nível operacional, permite uma visão mais concreta do campo de aplicação, ao mesmo tempo que vai mostrando o seu enquadramento nos níveis mais elevados das políticas sociais e de saúde, bem como das teorias implícitas que o sustentam.
Este Plano é aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 49/2008, de 6 de Março, embora corresponda ao Conselho de Ministros de 24 de Janeiro.

(I) Na Introdução explicitam-se os quatro aspectos que são por assim dizer os pilares de todo o desenvolvemento:

1- "Saúde Mental: uma prioridade de saúde pública"
2- "Políticas, planos e legislação de saúde mental"
3- "Serviços de saúde mental em Portugal" (caracterização)
4- "O papel das organizações não governamentais (ONG)"
1- "Saúde mental: uma prioridade de saúde pública"
Segundo dados da OMS, os problemas de saúde mental são hoje a principal causa de incapacidade e uma das principais causas de morbilidade, atingindo uma média de 31% dos anos vividos com incapacidade (próximo dos 40%, na Europa), sendo que as perturbações depressivas e as cardiovasculares estão a tomar o lugar das infectocontagiosas sem que os serviços tenham adequado a respectiva resposta ao que já se designa por «transição epidemiológica». A subavaliação da carga das perturbações mentais, sobretudo da depressão, dependência alcoólica e esquizofrenia é aqui atribuída ao facto de se considerarem apenas os índices de mortalidade, ignorando o número de anos vividos com incapacidade provocada pela doença.
Nas últimas décadas assistimos a uma viragem (lenta, muito lenta... , digo eu) no tratamento e reabilitação das perturbações mentais com a introdução de intervenções mais efectivas, que permitiu a passagem gradual dos serviços dos hospitais psiquiátricos para serviços baseados em hospitais gerais e na comunidade e mais integrados no sistema geral de saúde.
Todos os estudos demonstram que os serviços comunitários são mais efectivos e preferidos pelos pacientes e suas famílias.
Os serviços de saúde mental devem organizar-se de acordo com os seguintes princípios:
  • Garantir a acessibilidade a todas as pessoas com problemas de saúde mental;
  • Assumir a responsabilidade de um sector geodemográfico específico (...) (entre 200 000 e 300 000 habitantes);
  • Integrar um conjunto diversificado de unidades e programas, incluindo o internamento em hospital geral (...);
  • Ter uma coordenação comum;
  • Envolver a participação de utentes, familiares e diferentes entidades da comunidade;
  • Prestar contas da forma como cumprem os seus objectivos;
  • Estar estreitamente articulados com os cuidados primários de saúde;
  • Colaborar com o sector social e ONG na reabilitação e prestação de cuidados continuados a doentes mentais graves.
(a continuar)

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2010-02-03

Abertura aos saberes

Não quero que a minha casa fique cercada de muros
e que as minhas janelas fiquem tapadas.
Quero que as culturas de todas as terras soprem sobre a minha casa
tão livremente quanto possível.
Mas recuso-me a ser derrubado por qualquer delas.
Gandhi


Nos trilhos errantes por onde tenho andado nas últimas semanas feitos de leituras, reflexões e alguma conversa, voltei a encontrar-me com a minha amiga Ernestina. Não foi bem com ela, isto é, foi também com ela, através da leitura da sua tese de mestrado em sociologia, apresentada em 2000, na universidade de Coimbra. Foi um trabalho que fui acompanhando à medida que ia sendo escrito (as versões draft eram escritas a várias cores) e que acho de grande interesse originalidade. Rompe formalmente com alguns cânones académicos quer na forma de apresentação, quer na arquitectura metodológica, para explorar através da sua experiência o fenómeno das (toxico)dependências e das drogas.
A citação de Gandhi, acima reproduzida, com que abre o trabalho é a grande metáfora do que deve ser o espírito de qualquer investigador. Também eu me sinto identificado com esse espírito e a minha imensa curiosidade por todas as coisas da vida é absolutamente incompatível com muros e barreiras, limites ou fronteiras. O fenómeno "das drogas" é um bom exemplo de um objecto indisciplinado, como costumo dizer, que nunca se deixou aprisionar por um único saber "especialista", por mais que o tenham tentado entalar entre as "togas negras" da lei e as "batas brancas" dos saberes medico-psicológicos .

"Consideramos que o problema da droga pouco mais é do que o efeito das nossas concepções e representações negativamente distorcidas acerca da droga, e só poderá ser ultrapassado com a mudança destes mesmos modelos conceptuais."

O que a Ernestina faz na sua tese é uma viagem através de um território sem pontos cardeais, sem medo de se perder ou, mesmo de se fundir com o objecto de estudo que é também ela própria.

Voltarei a este assunto.

Cruz, M. E. Neto da (2000). As drogas: viagem cultural sem fronteiras. Dissertação de Mestrado em Sociologia: As sociedades nacionais perante os processos de globalização. Faculdade de Economia. Universidade de Coimbra.

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2010-01-28

Na casa nova

Formação sedimentar na ilha de S. Nicolau - Fevereiro 2008
Quase um mês depois da mudança para a "minha" Escola Superior de Saúde ainda me sinto à descoberta de um território um pouco estranho, embora bastante familiar. De um modo geral, sinto-me bastante bem acolhido por colegas e outros funcionários da escola. Há um ambiente de simpatia que me parece sincero e, sendo verdade que já conhecia bem algumas pessoas e outras fiquei a conhecer agora, ainda me cruzo com muitas pessoas que não sei quem são e elas, provavelmente também não me conhecem. Às vezes sou muito mais contemplativo que activo e também não vou ao encontro das pessoas e os meus colegas que me vão integrando devem achar que como eu sou da casa não necessito de grande apoio nisso. Mas não é nenhum drama; as coisas vão indo naturalmente.
Este período de mudança tranquila que estou a viver está a ser muito profícuo em termos de reflexão. Procuro escutar mais os outros e tento perceber o que andam a fazer, o que pensam. Por dentro fervilham-me ideias várias para projectos que podiam ser desenvolvidos na escola.
Eu há muito que me acho militante da saúde. Da saúde numa perspectiva muito ampla, tão ampla que se pode confundir com a cidadania e a felicidade.
Há dias estive num workshop sobre democracia participativa, a seguir conversei como uma colega (esteve para ir, mas não estava disponível) e logo achámos que seria bom fazê-lo aqui aberto a pessoal desta escola e de toda da universidade e também de outras organizações com quem trabalhamos.
Estou a trabalhar na produção de um ensaio (será eventualmente o conteúdo de uma apresentação à comunidade académica da UAlg) que procura traduzir para uma perspectiva de interesse para a escola, a minha experiência e conhecimento adquirido enquanto dirigente regional do IDT.
Acompanham-me ainda outras ideias para propostas de natureza transdisciplinar ligadas à promoção e educação para a saúde com base em metodologias de intervenção na comunidade que aliam a animação sociocultural, o teatro e outras artes.
Quero aprender mais sobre as novas tecnologias de informação e comunicação e utilizá-las de um modo que seja útil e nunca impeditivo ou substituto dessa outra arte que é o encontro.

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2010-01-09

Aprender em Festa *


É uma verdadeira festa. São homens e mulheres e algumas crianças já aqui nascidas. Fazem todos a festa onde misturam saberes e sabores com que põem ânimo em cada acção.

Um caso a estudar. Em estudo.

*
Grupo Aprender em Festa
Gouveia

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2010-01-06

Separador

Aqui temos que necessariamente mudar de página. Ano zero da segunda década do segundo milénio. Isto porque se começou a contar o tempo a partir do ano em que se supõe ter nascido um tipo chamado Jesus e, depois, também Cristo. Mas como esse ponto do tempo foi estabelecido com uma retroacção de, para aí, uns quinhentos anos e já ninguém se lembrava, ficamos assim. Portanto, este ano é o que é e também não é, sendo vários outros simultaneamente. Complicado? Não, é apenas a complexidade tão natural da realidade.
Vejamos:
Para o calendário Greogoriano que habitualmente usamos estamos em MMX; para o Chinês já estamos em 4707 e quase a mudar para o ano do Tigre;no calendário Hebraico chegaremos um dia destes ao ano 5771; vários calendários Hindus situam-nos entre 1932 e 2066; já para o calendário Islâmico estamos ainda no ano 1431; e, por aí fora...
É verdade que dá jeito termos um calendário mais ou menos universal, mas isso não deverá servir para excluir parte da realidade e tomá-la como se isso fosse a única verdade e toda a verdade.
E porque tudo isto é uma metáfora (e talvez esteja por aí a forma possível de nos entendermos e vivermos em paz) introduzo este post como separador (se pára alguma dor, está bem, ou, se separa dores, também) para registar mudanças na minha vida. Mudei para o que já fui, para o que nunca fui. Ou seja, voltei para a minha escola que já não é a minha escola e o que volta sou eu que já não sou o que fui.
Enfim, apeteceu-me assim um espreguiçar sobre o que tenho sentido e pensado desde o início da semana.

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2009-04-21

Descriminalização da droga em Portugal


Cá está o já famoso relatório Greenwald.
Edição: CATO Institute, Abril 2009
Já imprimi. Vou ler. Depois direi.

Ver aqui

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2008-07-02

Abordagem sistémica


Recebi por mail e achei bonita a imagem.
O assunto também. Faz parte de caminhos que deixei a meio.
Aqui fica, para quem interessar.
Estive a tentar ver os preços, mas não dizem. Tem que se pedir por mail.



PROPOSE DU 23 AU 30 AOÛT 2008
L'APPROCHE SYSTÉMIQUE ET STRATÉGIQUE DE PALO ALTO
Une vision globale - 8 journées de formation
Ce module de 8 jours vous donne les bases théoriques (Bateson et la nouvelle communication)et méthodologiques (le MRI, Watzlawick et l'intervention stratégique) de l'approche.Il ouvre l'accès aux modules de formation complète à la psychothérapie, à l’intervention médico-socialeet au coaching de l'Institut Gregory Bateson (également à Toulouse).
Contenu :
Les fondements: théoriques et méthodologiques
Le modèle: d’intervention, la “grille” de l’intervention brève stratégique
La relation d’aide et le positionnement de l’intervenant
Techniques, tactiques et stratégies de changement
L’intervention sous contrainte
Applications à différents contextes (individus, couples familles, entreprise, institutions,...)
Méthodologie :
Elle combine les apports de contenu, les exemples filmés et les échangesautour de situations concrètes, ainsi que des exercices pour clôturer la session.Trois formateurs assureront une diversité de styles.
Dates et lieu :
Du samedi 23 au samedi 30 août inclus, à Toulouse (centre), de 9h30 à 17h00.
Contacts:
Claude Duterme,
représentant de l’IGB pour le Sud Ouest 06 81 10 04 38
Lintin 81140 Cahuzac sur Vere

claude.duterme@club-internet.fr
http://www.psychotherapeute-systemique.fr

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2008-06-16

Programa de Troca de Seringas nas Prisões

O presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional publica hoje, dia 16 de Junho, na página 15 do JN, na secção Coluna Aberta, um escrito sob o título “Guardas não podem ser bodes expiatórios” (assim com aspas, não se percebe porquê) em que se indigna com as declarações do presidente do IDT na Assembleia da República, segundo o qual o Programa de Troca de Seringas (PTS) nas prisões teria fracassado porque “os guardas prisionais estão a boicotar o programa” (citação e aspas do autor). E segue depois numa estratégia que pretende retirar legitimidade à posição que quer combater confrontando o visado com sua «incapacidade de erradicar da droga na sociedade» insucesso esse que não poderia atribuir aos guardas prisionais. Pelo caminho faz ainda uma alusão insinuante aos “betinhos” e chega finalmente ao que interessa: «apesar de o sindicato se ter manifestado contra este programa, não significa que os guardas não o cumpram».
Todos já sabemos que o sindicato é contra este programa e até conhecemos os argumentos absurdos com que sustenta essa posição, aliás bastante coerentes com a ideia da «erradicação da droga da sociedade». Sabemos também que as prisões não são habitadas por meninos de coro ou betinhos (a não ser aquele do big brother e das capas de revista que fazia assaltos à mão armada – lá se vai a teoria do betinho). Sabemos que a vida dos guardas prisionais é dura e certamente mal compensada do ponto de vista remuneratório e outros. Sabemos que há imensas faltas de apoio em questões básicas como a saúde e a recuperação social dos reclusos. Sabemos que as taxas de infecção por VIH e Hepatites atingem níveis alarmantes na população prisional.
Terá razão o senhor presidente do sindicato quanto a esses aspectos e deverá reivindicar junto da respectiva tutela.
O insucesso do PTS nas prisões não pode ser atribuído (e acho que não o foi) exclusivamente ao alegado boicote dos guardas prisionais. Também ouvi o presidente do IDT dizer em público que a estratégia não terá sido a mais adequada e que terá que ser repensada, o que me parece sensato.
Há que partir de uma correcta definição do problema que permita estabelecer algum tipo de prioridade nas intervenções de acordo com um consenso entre os diferentes intervenientes neste processo. Obviamente que os guardas prisionais tem que ser conquistados para esta causa, mas só o serão se entenderem que o objectivo é travar a incidência dos danos e do problema de saúde pública que isso constitui. Quando se invoca que esta estratégia tem resultados positivos noutros países é preciso não esquecer que muito provavelmente esse trabalho prévio de envolvimento de todos foi feito sem grande resistência. Pelo que sei, aqui, conjugaram-se imediatamente um conjunto de forças que são simplesmente contra sem apresentarem qualquer alternativa face a este problema. Falam de outras coisas, seguramente importantes e igualmente urgentes, mas agem como se o problema do contágio entre os reclusos não existisse. Isso é um comportamento criminoso e deve falar-se em boicote, sim.
E não fica nada bem ao presidente do sindicato do guardas prisionais deixar uma pontinha de ameaça à vista relativamente a outras soluções e invocar a questão da metadona, sem explicitar o que é que se passa efectivamente, porque «a realidade dos factos» é que entra droga nas prisões e não devia entrar. Mas entra e alguns consomem-na por via endovenosa em condições perigosas para a saúde de todos.
O que é que o senhor presidente do sindicato acha disto?

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2008-02-26

Pontes e espargatas (II)

Há compromissos difíceis entre o que deveria ser e o que tem que ser. Apesar do seu carácter inovador enquanto proposta, o PORI tem sido um verdadeiro percurso de contradições enquanto processo de operacionalização. Enquanto proposta, surge com razoável consistência teórica e, para quem se situa nas lógicas da intervenção comunitária, deixa adivinhar mais do que realmente explicita. Contudo foi bastante entusiasmante e permitiu-me enquadrar alguma utopia da que habita aquela espécie de estado nascente que nos faz acreditar que a mudança é possível, que podemos pensar num outro paradigma, que as práticas, enfim, podem mudar.
A meio de um percurso muito feito às cegas porque ninguém sabia realmente quais eram as regras, começamos a ser picados pela mosca do cepticismo. Tentamos sacudi-la, ignorar as picadas, mas às tantas a comichão é tanta que temos que coçar. À medida que as regras se vão definindo, e estas vêm sempre em prestações suaves, começamos a perceber que estamos num carreiro muito estreito e que ainda por cima vai dar ao mesmo sítio. E pior do que isso é não se perceber como nascem essas orientações.
Os diagnósticos dos territórios prioritários, traduzem uma perspectiva da realidade e apenas isso. Mas tenho a percepção que essa tradução se consubstancia numa espécie de dialecto privado, numa lógica interna aos que produzem esse discurso e dirá muito pouco externamente. E esse é o problema: chegou o momento de falar claro para que todos entendam.

A produção de discursos fechados é muito comum. Apesar das barreiras disciplinares se virem a esbater com o tempo, ainda persistem alguns hermetismos que parecem relevar de alguma arrogância, por um lado, e de um sistema protector das práticas, por outro. Tradicionalmente encontramos muito esta situação ligada aos saberes (poderes) médicos e jurídicos, mas alguns técnicos de informática ou mecânicos de automóveis também podem ser bons exemplos.
Ora, parece-me ser exactamente este o primeiro obstáculo a vencer se queremos promover um trabalho centrado no cidadão, em parceria com outras entidades, com a comunidade.

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2007-12-13

Tiques Tecnológicos

É notícia e merece ser dada.











Comissão de Análise do PORI estreia sistema de videoconferência.


No passado dia 10 de Dezembro reuniu-se mais uma vez a Comissão de Análise que está a apreciar os Diagnósticos territoriais do Plano Operacional de Respostas Integradas (PORI), promovido pelo Instituto da Droga e da Toxicodependência. Tratava-se de discutir e chegar a um consenso sobre as propostas de um modelo a seguir para a publicação dos diferentes diagnósticos que resumidamente dão conta da caracterização dos territórios, da identificação dos problemas relacionados com o consumo de substâncias psicoactivas, das necessidades de intervenção e das intervenções propostas. Este grupo de trabalho é constituído por um representante de cada Delegação Regional (Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo, Algarve) mais dois dos Serviços Centrais, num total de sete elementos.


O IDT dispõe desde há algum tempo o equipamento para videoconferência que foi sendo progressivamente instalado e ensaiado, mas que não tinha sido ainda usado em situação real, de trabalho. Foi, portanto, uma verdadeira estreia e como tal não dispensou o nervosismo inicial.


Depois de alguns acertos técnicos que atrasaram cerca de meia hora o início da reunião, pode-se dizer que esta correu muito bem tendo-se alcançado os resultados pretendidos. Os participantes de norte a sul do país foram-se sentindo cada vez mais à vontade, acabando até por se esquecer da mediação tecnológica.


O sistema funciona bem, pelo menos com um grupo pequeno. Tem a vantagem de, por si próprio, disciplinar as comunicações. Isto é, obriga a que uma reunião decorra como é suposto decorrer, sem comunicações cruzadas, nem pessoas a falar para o lado, nem tudo a falar ao mesmo tempo. Quando isso acontece é uma cacafonia que não se percebe nada. Naturalmente todos ficam mais centrados no assunto e a reunião é menos cansativa. Não é tão seguro que funcione bem para mais que uma pessoa por posto.


A utilização deste meio tecnológico traduz-se numa economia importante de tempo e dinheiro se pensarmos que uma reunião em Lisboa implica a deslocação de pessoas de quatro regiões com utilização de um dia inteiro acrescido dos custos habituais nestas circunstâncias. Desse ponto de vista, é um exemplo a seguir. Utilize-se sempre que possível este equipamento. No entanto, o encontro das pessoas em presença não deverá nunca ser completamente abolido e substituído pela reunião tecnológia. Há que encontrar este equilíbrio.

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2007-12-11

Transcoisas ou a transgressão das coisas que são

A apreensão que fazemos da realidade é, na realidade, a realidade com que podemos operar. Isto parece um jogo de palavras, mas reconduz-nos quase sempre à velha questão de Paul Watzlawick How real is real? (Watzlawick, 1977) e à ideia de que quanto melhor e mais "real" for o conhecimento da realidade, maior será a capacidade de interagir com ela.
Um artigo de Helga Nowotny(*) faz referência ao que chama Modo-2 de produção de conhecimento, como um esforço intelectual não reductível ao quadro de uma estrutura disciplinar, contrastando-o com o Modo-1, mais focado nas fontes provenientes de uma ou outra estrutura disciplinar.
Segundo esta autora, o Modo-2 de produção de conhecimento é uma nova forma emergente de pensar a ciência que procura responder à necessidade de uma outra linguagem para descrever o que acontece na investigação e apresenta as seguintes características:
1) A investigação contemporânea é cada vez mais realizada dentro dos contextos de aplicação.
Os problemas são formulados através do diálogo entre diferentes actores e diferentes perspectivas e o processo só se inicia após a concordância de todo o grupo;
2) Os diferentes actores trazem uma heterogeneidade essencial de competências (skills and expertises) ao processo de resolução de problemas.
As estruturas organizacionais e as hierarquias perdem algum do seu peso e rompem-se determinadas cadeias de comando.
3) A transdisciplinaridade como plataforma intelectual completamente diferente da tradicional estrutura disciplinar.

Knowledge is transgressive and transdisciplinarity does not respect institutional bounderies

"Há uma espécie de convergência ou co-evolução entre o que acontece na esfera da produção de conhecimento e a forma como as instituições da sociedade se estão a desenvolver" (tradução minha).
O aparecimento de ONG e de outras formas de organização nas quais diversos tipos de interesses se organizam e influenciam a realidade social complexificando-a e essa "trangressão" é melhor capturada pelo conceito de transdisciplinaridade.

A autora enuncia ainda o que considera como os dois mais importantes critérios do Modo-2 de produção de conhecimento: accountability e controlo de qualidade.

Accountability significa responsabilidade (no sentido em que se responde, presta contas), mas diferente da responsabilidade individual que faz parte do ethos de cada um; é mais a responsabilidade institucional;u m processo informal, mas com uma vertente formalizada que permite clarificar a quem se tem que responder.

O controlo da qualidade levanta questões delicadas, uma vez que em muitos contextos o que se procura não é apenas a excelência científica. Embora a excelência científica continue a ser a base fiável para a produção de novo conhecimento, há outros aspectos difíceis de apreender uma vez que os contextos variam. Não há um único critério como no controlo de qualidade na perspectiva disciplinar que estabelece os seus próprios standards para dizer: isto é boa física, boa biologia ou boa geologia. É preciso estabelecer critérios adicionais de qualidade que nos permitam falar qualidade acrescentada (value-added quality) e procurar ultrapassar esse valor-acrescentado e começar a falar de valor-integrado (value-integrated).







(*)Nowotny, H. The potential of Transdisciplinarity. http://www.interdisciplines.org/interdisciplinarity/papers/5

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2007-12-04

Transpoética

iremos pois de mão dada
como costumamos adormecer
sempre de mão dada
como nos sonhos
percorrer o mundo
este e todos os outros
porque todos os outros também são este

pousar os olhos nas marés de todos os oceanos
lambuzar-nos com o doce das frutas
aprender os ritmos de cada lugar
perdermo-nos na aventura da dança
deixar para trás os desertos
afogarmo-nos no verde das searas
escutar os apelos da terra e do corpo
porque corpo e terra também são voz

marcar o compasso das ilhas
despirmo-nos no espelho das fontes
contar luas pelos dedos
embriagarmo-nos de virtude
semear melodias no vento
escutar em muita línguas
o que dizemos em silêncio

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Pontes e espargatas (I)

Será sempre difícil o entendimento no que se refere à reflexão e crítica sobre as práticas dos outros, estando do lado de fora delas. Mesmo o maior esforço para ver as coisas do lado de dentro, utilizando os quadros de referência dos que estão dentro não resolve a grande questão que me parece ser a de comunicar o que se vê de fora. Qualquer reflexão (palavra rica que tanto pode significar debruçar-se sobre si próprio como sugerir a ideia de se olhar como reflexo no espelho) expressa com frontalidade é tomada como uma crítica (outra palavra interessante nos seus significados) e provoca frequentemente uma reacção defensiva, contrária, portanto, à que se pretende com a discussão. E o que se pretende muito claramente é mudar algumas práticas e nisso há aparentemente muita concordância. Não raro começamos por ouvir inflamadas profecias de mudança e inovação para logo a seguir, quando questionados, se perceber estamos metidos num círculo vicioso, reféns de um passado que se reconhece com erros e incapazes de engendrar uma forma de ruptura para nos apearmos desse carrossel.
Há muito que me interrogo sobre as especificidades dos cuidados de saúde aqueles a quem designamos como toxicodependentes. O reconhecimento da dependência de substâncias químicas como uma doença coloca sem grandes contestações as pessoas que dela sofrem nas mãos dos profissionais de saúde. Depois, consoante as disponibilidades e as inclinações teórico-ideológico-políticas assim têm mais influência (e poder) estes ou aqueles (quase sempre os médicos) sem que se questione muito a razão de ser disso. Se sairmos das nossas fronteiras encontramos já aqui na vizinha Espanha diferentes enquadramentos dos serviços que ora são tutelados pela saúde, ora pelos assuntos sociais e bem-estar como acontece respectivamente nas Comunidades Autónomas da Extremadura e da Andaluzia. O que têm de comum é que as equipas profissionais são invariavelmente constituídas por profissionais da área da saúde (médicos, enfermeiros, psicólogos) e da área social (técnicos de serviço social, educadores, animadores) embora uma perspectiva mais sistémica da saúde os possa considerar a todos desta área, mas isso ficará para outra reflexão.

(continua)

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2007-05-09

Boas notícias e práticas


A Delegação Regonal do Algarve do IDT foi distinguida ontem com o 2º lugar da quinta edição do Prémio Boas Práticas no Sector Público, na categoria Serviço ao Cidadão, atribuído ao Projecto "Rede de Artesãos".
Este prémio é uma iniciativa da Deloitte e do Diário Económico com a colaboração do INA - Instituto Nacional de Administração, da FLAD - Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento e da SIC-Notícias.
O primeiro lugar nesta categoria foi para o Hospital Pediátrico de Coimbra.
O júri , constituído por personalidades na sua maioria bastante conhecidas: Susana Toscano, Maria de Belém Roseira, Manuela Ferreira Leite, Jardim Gonçalves, Francisco Maria Balsemão, Maria Manuel Leitão Marques, Paula Teixeira da Cruz, José Lello, Luís Valadares Tavares, João Abreu de Faria Bilhim e Rui Machete, reconheceu a qualidade do trabalho e do empenho de um grande colectivo que vai de uma pequena equipa de projecto a uma rede da comunidade que envolve pequenos e médios empresários, autarquias e outras organizações da sociedade civil. A "Rede de Artesãos" é uma experiência rica de enquadramento social de pessoas toxicodependentes em recuperação e de articulação interna e externa de diversos profissionais que trabalham com uma problemática difícil e complexa.
São estas pequenas glórias que também nos alimentam.

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2007-03-22

Paradigmas científicos

Cheguei a este artigo da Seed Magasin por sugestão de um leitor (Miguel Borges) do Abrupto .
Bom para quem gosta de saber como se sabem as coisas.


This map was constructed by sorting roughly 800,000 published papers into 776 different scientific paradigms (shown as pale circular nodes) based on how often the papers were cited together by authors of other papers. Links (curved black lines) were made between the paradigms that shared papers, then treated as rubber bands, holding similar paradigms nearer one another when a physical simulation forced every paradigm to repel every other; thus the layout derives directly from the data. Larger paradigms have more papers; node proximity and darker links indicate how many papers are shared between two paradigms. Flowing labels list common words unique to each paradigm, large labels general areas of scientific inquiry

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Gaston Bachelard

Os trabalhos de Gaston Bachelard debruçaram-se ao mesmo tempo sobre a poesia e a ciência, acerca das quais verifica que os eixos são inversos. O «homem pensativo», que segue a vertente da subjectividade, opõe-se ao «pensador», que obedece ao princípio da objectividade. Mas esta oposição não exclui uma complementaridade. A fantasia subjectiva preparou o caminho para a ciência

Diz-se aqui entre outras coisas com links interessantes.

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2007-03-21

Equinócios de poesia

O ser humano, desde que se inventou como tal, tenta por formas diversas apreender o mundo em que vive. Descreve, interpreta, compara, avalia, analisa, explica, prevê, controla as coisas da vida, da morte, da natureza, do espírito. O conhecimento pode ser simplesmente isto. E isto é muita coisa e todas podem ser válidas. Do conhecimento mítico e religioso, do pessoal e empírico, da ciência à filosofia, tudo tem o seu valor. Mas sem poesia ficará provavelmente muito incompleto.


Há palavras que nos beijam
Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.
Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto;
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.
De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas inesperadas
Como a poesia ou o amor.
(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído
No papel abandonado)
Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.
(Alexandre o'Neil)

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2006-11-24

Realismo é uma crença?

Il nous faut donc, pour promouvoir une nouvelle transdisciplinarité, un paradigme qui certes permette de distinguer, séparer, opposer, donc disjoindre relativement ces domaines cientifiques, mais qui puisse les faire communiquer sans opérer la réduction. Le paradigme que j'appelle de simplification (réduction/disjonction) est insuffisant et mutilant. Il faut un paradigme de complexité, qui à la fois disjoigne et associe, qui conçoive les niveaux d'émergence de la réalité sans les réduire aux unités élémentaires et aux lois générales.
EDGAR MORIN L'ancienne et la nouvelle transdiplinarité


Alguém poderá saber a que cheira o interior do seu próprio nariz?
Gostava de cair na realidade, mas não sei para que lado me deite...

2006-11-23

techne

I propose, therefore, a kind of compromise
between the philosophical and the social scientific perspective

Andrew FEENBERG. From Essentialism to Constructivism: Philosophy of Technology at the Crossroads

Uma abordagem que me parece interessante sobre o papel da tecnologia na sociedade de hoje, discutindo diferentes posições filosóficas.
Ver aqui . E aqui há mais.

2006-11-21

Olhar o mundo

Nous ne savons pas ce qu'est la poésie. Les concepts univoques que l'on appelait naguère "le monde", "la réalité", "la nature", "la culture", "la poésie" sont devenus naïvement réducteurs dès lors que les chercheurs ont pris conscience de la pluralité des mondes et des cultures, de la complexité croissante des niveaux de réalité et des niveaux de perception échappant à la logique aristotélicienne et à la dialectique binaire. Ainsi existe-t-il une infinité de niveaux de vérité et de complexité de la poésie, une verticalité des niveaux de perception de la poésie, une pluralité de directions de recherche, une multiplicité de formes d'art poétique.
MICHEL CAMUS Paradigme de la transpoésie

Imaginemos que podemos multiplicar o nosso par de olhos e observar um objecto, simultaneamente, de inúmeras posições. Imaginemos, ainda, que nos podemos deslocar e ficar parados ao mesmo tempo, perante um objecto em movimento. Se conseguirmos fazer esse imaginar, aprenderemos um outro mundo para viver e também uma ciência chamada poesia.
Pois é. Poiesis.

2006-10-30

Indisciplinaridade do coração

Poema do Coração

Eu queria que o Amor estivesse realmente no coração,
e também a Bondade,
e a Sinceridade,
e tudo, e tudo o mais, tudo estivesse realmente no coração.
Então poderia dizer-vos:
“Meus amados irmãos,
falo-vos do coração”,
ou então:
“com o coração nas mãos”.

Mas o meu coração é como o dos compêndios
Tem duas válvulas (a tricúspida e a mitral)
e os seus compartimentos (duas aurículas e dois ventrículos).
O sangue a circular contrai-os e distende-os
segundo a obrigação das leis dos movimentos.

Por vezes acontece
ver-se um homem, sem querer, com os lábios apertados,
e uma lâmina baça e agreste, que endurece
a luz dos olhos em bisel cortados.
Parece então que o coração estremece.
Mas não.
Sabe-se, e muito bem, com fundamento prático,
que esse vento que sopra e que ateia os incêndios,
é coisa do simpático.
Vem tudo nos compêndios.

Então, meninos!
Vamos à lição!
Em quantas partes se divide o coração?

António Gedeão, Poesias Completas, 1975

2006-10-23

Blog (sempre) em construção

Pelo andar da carruagem...
... não se acaba a primavera